Ao afastar 4 juízes, CNJ fala em “cashback” na Vara da Lava Jato

Atualizada às 18h25

A canetada do ministro corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luis Felipe Salomão, é muito mais do que mais um golpe na cambaleada e quase aniquilada Lava Jato. As decisões vão no núcleo duro dos magistrados que tocaram a operação que, parafraseando Salomão, “desbaratou um dos maiores esquemas de corrupção do país” — apesar de não sustentar praticamente mais nenhum efeito prático.

Gabriela Hardt, que fora substituta de Sergio Moro por muitas vezes na condução da 13ª Vara Federal de Curitiba, e de forma definitiva após o ingresso do ex-juiz na vida política, foi afastada nesta segunda-feira (15) das atuais funções na 23ª Vara Criminal de Curitiba por ordem do ministro corregedor do CNJ. Foi ela quem, em 2019, condenou o presidente Lula a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

A mesma decisão respingou também no juiz Danilo Pereira Júnior, até então titular da polêmica Vara da Lava Jato na Justiça Federal do Paraná. E Moro, se juiz ainda fosse, teria o mesmo destino.

Mais do que supostas ilegalidades, “infrações administrativas graves, constituindo fortes indícios de faltas disciplinares e violações a deveres funcionais da magistrada” encontradas pelo trabalho de correição do CNJ, a canetada de Salomão é virulenta ao citar um esquema para permitir uma “recirculação de valores”, ou um termo mais comercial “cashback”, do montante bilionário oriundo de acordos de colaboração e de leniência firmados durante a Lava Jato. O CNJ contabiliza mais de R$ 5 bilhões.

“Cash back” — Este dinheiro, segundo a conclusão do trabalho correcional, “tudo indica, fazia parte da estratégia montada para que os recursos bilionários obtidos a partir do combate a corrupção fossem desviados para proveito da fundação privada que estava sendo criada”, cita e complementa Salomão: “e ao que tudo indica com a chancela e participação dos ora reclamados”. Por isso os termos “recirculação de valores” ou simplesmente “cashback”. Fundação esta que, ainda segundo o ministro corregedor, era de “interesse direto e particular do então Procurador da República Deltan Dallagnol.

Até o mais novato estudante de Direito conclui, ao passar os olhos pela decisão do corregedor, que o buraco é muito mais embaixo. Salomão chega a tipificar artigos do Código de Processo Penal: peculato (desvio de dinheiro público), prevaricação e corrupção. Ao CNJ, por força de competência, não cabe apurar tais condutas supostamente criminosas.

Os indícios levantados na correição serão encaminhados ao Ministério Público Federal (MPF) — hoje comandada por Paulo Gonet, tido como aliado de Gilmar Mendes e recém indicado ao cargo pelo presidente Lula, ambos críticos ácidos e públicos da Lava Jato. E aqui sim, Sergio Moro, um dos principais protagonistas da Lava Jato, volta aos holofotes. Por ter abandonado a carreira jurídica, o CNJ não pode alcançar o atual senador da República.

“O caso de Sergio Fernando Moro será tratado no mérito, quando do exame da questão pelo Plenário do CNJ, dado que não há nenhuma providência cautelar a ser adotada no campo administrativo”, cita Salomão, lembrando que o caso deve ser apreciado na sessão desta terça-feira (16) do colegiado. Nesta sessão, os demais conselheiros vão apreciar a decisão do corregedor — podendo mantê-la ou até reformá-la.

TRF4 — Além de Gabriela Hardt e do juiz Danilo Pereira Júnior, Salomão, em decisão diversa, afastou também dois desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que atuou como segundo grau de jurisdição dos processos da Lava Jato. Salomão determinou o afastamento de Thompson Flores e Loraci Flores de Lima — ambos da 8ª Turma do TRF. Os dois, assim como Danilo Pereira Júnior, são acusados de desobedecer decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).

Salomão cita o caso do processo de suspeição do juiz federal Eduardo Appio, em que Thompson Flores e Loraci Flores de Lima atuaram de forma conflitante à decisão do STF — que havia suspendido a ação “por força de decisão do eminente Ministro Ricardo Lewandowski e utilizaram-se, como fundamento de decisão, prova declarada inválida pelo Supremo Tribunal Federal, em comando do ilustre Ministro Dias Toffoli, causando especial gravame aos réus investigados”.

Outro lado — Ao Blog Politicamente, a Justiça Federal do Paraná informou, por meio da assessoria de imprensa, que os juízes Danilo Pereira Júnior e Gabriela Hardt não iriam se manifestar sobre a decisão do Conselho Nacional de Justiça. O Blog apurou que o Tribunal Regional Federal da 4° Região foi notificado da decisão do ministro corregedor Luis Felipe Salomão no início da tarde desta segunda-feira (15) e que a decisão foi cumprida. No período da tarde, o presidente, Fernando Quadros, se reuniu com outros desembargadores do tribunal para tratar do caso.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) criticou a decisão monocrática do ministro Salomão na véspera do julgamento, se disse surpresa e confia que o afastamento dos juízes da Lava Jato será revertido pelo plenário do CNJ.

Até o momento, o ex-juiz Sergio Moro não comentou o caso.

Reação Deltan — Numa nota divulgada numa rede social, o ex-procurador da República, Deltan Dallagnol, afirmou que a decisão do corregedor nacional de justiça é absolutamente constrangedora e que passa a mensagem de perseguição política a juízes e desembargadores que atuaram na operação Lava Jato, condenaram corruptos e contrariaram interesses poderosos.

Por fim, Deltan afirmou que a decisão do ministro Salomão passa a mensagem que “juízes, procuradores e policiais, baixem a cabeça para os poderosos”. E que “quem ousar colocar corruptos poderosos na cadeia no Brasil vai responder com seus cargos, suas vidas e seus patrimônios”.

 

Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ

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