TC finaliza relatório sobre compra de software espião no Paraná

O Tribunal de Contas do Estado do Paraná finalizou o levantamento sobre a aquisição de softwares espiões, ferramentas de monitoramento secreto e invasivo de aparelhos celulares no Estado do Paraná. Os técnicos cruzaram os dados de licitação e de compras do governo e de todas as 399 cidades do Paraná.

O relatório aponta que nos últimos oito anos, 80 contratos envolvendo alguma sistema de monitoramento foram firmados — uns através de processo licitatório outros não. Ainda de acordo com o documento, foram gastos quase R$ 60 milhões com a aquisição destes equipamentos sem licitação.

A lista de sistemas e ferramentas é técnica e longa. As compras foram feitas, inicialmente, para atender as demandas da Polícia Civil do Paraná, a Polícia Penal e a Polícia Cientifica. Aí é preciso separar o joio do trigo.

A Polícia Civil usa e muito estes equipamentos de monitoramento em investigações, principalmente, de combate ao crime organizado e também nos casos de sequestros. A Polícia Penal também faz uso destes sistemas para monitorar os presos nas diversas penitenciárias do Estado, para, por exemplo, identificar planos de fuga e intervir para impedir a atuação dos detentos. Nestes dois, porém, obrigatoriamente as duas polícias precisam de autorização judicial para monitorar quem quer que seja.

A Polícia Cientifica, por sua vez, não usa sistemas de monitoramento. Mas utiliza diariamente ferramentas, por exemplo, de extração de dados de equipamentos como celulares e computadores apreendidos em operações da Polícia Civil. Aliás, historicamente existe um déficit de pessoal e software para dar conta de tanto trabalho de perícia digital. Todo este trabalho de análise não necessita de autorização judicial.

Extração remota — Mas o relatório do TC, na página quatro, traz uma aquisição, ao custo de R$ 6,2 milhões por ano, que chama a atenção pela descrição do objeto: “Contratação para o fornecimento de equipamento e licenças de uso da Solução Tecnológica GIS- ACE/EPIC – Solução de Inteligência Tática para a varredura, detecção, identificação, bloqueio seletivo, localização em tempo real e extração remota e instantânea de conteúdo de dispositivos celulares móveis, pelo período de 12 (doze), incluídas atualizações, suporte técnico e capacitação”.

Uma característica deste software salta os olhos. “A extração remota e instantânea de conteúdo de dispositivos celulares móveis”. Na prática, esta ferramenta permite que a qualquer tempo e de qualquer lugar, a Polícia Civil pode “entrar” num aparelho celular e extrair os dados — como, por exemplo, conversas de WhatsApp, a lista de contatos, a agenda e até o acesso as fotos e vídeos.

De forma leiga, é como se uma pessoa deixasse o celular desbloqueado com a polícia. A diferença é que o software faz a extração dos dados de um celular sem que a pessoa perceba. Obviamente que este acesso remoto aos celulares só pode ser feito com a devida autorização judicial. Caso contrário, a invasão se caracteriza um crime.

Crime — E é justamente a suspeita de cometimento de crime, ou seja, de monitoramento ilegal, seu autorização judicial, que motivou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin, a determinar que todos os Tribunais de Contas do país, assim como o da União, façam um levantamento da relação de software comprados em todos os Estados. Este relatório do TC do Paraná já foi encaminhado para o STF assim como, cópia dele, foi endereçada à Polícia Federal.

Os federais investigam o uso ilegal destes sistemas na esteira da operação First Mile que identificou que agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) estavam monitorando de forma ilegal políticos, jornalistas, adversários políticos e até magistrados — durante a gestão do então presidente Jair Bolsonaro.

É importante destacar que o simples fato da Polícia Civil do Paraná ter contratado uma sistema de monitoramento israelense em 2019, não significa, que ela tenha sido usada de forma ilegal. Aliás, o Ministério Público do Paraná chegou a abrir um procedimento preliminar para apurar qualquer abuso e nada de irregular foi detectado.

A ferramenta é importantíssima e deve ser usada — desde que sirva para combater o crime organizado. Mas ao menor sinal de que softwares espiões estejam sendo usados de forma criminosa, sem autorização judicial, as autoridades devem aprofundar as investigações — mesmo que isso signifique cortar na própria carne.

 

Imagem: Tero Vesalainen / Shuttestock

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