Atualizado às 18h27
A Polícia Civil do Paraná investiga uma possível fraude em licitações envolvendo a gestão e manutenção da frota de veículos oficiais em municípios paranaenses. Existe a suspeita de que a organização criminosa tenha atuado também fora dos limites do Paraná.
A questão de gestão e manutenção da frota é um assunto sensível no Paraná, principalmente, depois da atuação da empresa JMK durante o governo do tucano Beto Richa. A empresa foi alvo de uma operação que levou para a cadeia 12 pessoas, entre elas os donos da JMK, suspeitos de causar um prejuízo de mais de R$ 125 milhões ao Estado do Paraná. O governo então rompeu o contrato com a JMK e aplicou uma série de sanções.
Mas, ao que parece, a JMK não saiu de cena, e apenas tem novos rostos e alguns CNPJ’s. E é justamente essa suspeita sobre a JMK que provocou a abertura de uma nova investigação que está sendo tocada por delegados da Divisão Estadual de Combate à Corrupção (Deccor). O delegado titular Alan Flore foi o responsável por deflagrar, em 2019, a operação “Peça Chave”, cujo alvo central era a JMK. A empresa, aliás, esbarrou em outra investigação, a Voldmort, que apurou a licitação de manutenção de veículos oficiais do estado na Região de Londrina.
O Blog Politicamente apurou que pessoas ligadas a JMK estariam agora à frente de outras empresas que vêm participando de processos licitatórios no Paraná e ganhando milionários contratos públicos também em outros estados do Brasil. Há, inclusive, indícios de que numa das licitações uma das empresas ligadas ao grupo teria apresentado documentação falsa — o que levantou a suspeita dos investigadores.
Ligação com a JMK — No bojo da apuração aparecem algumas empresas com ligação direta com a JMK — entre elas a Carletto Gestão de Frotas, que estaria fazendo uso do sistema informatizado que era utilizado pela JMK e adotando o mesmo modus operandi. Além disso, existe a suspeita de que pelo menos quatro pessoas que anteriormente atuavam na JMK estão agora à frente da Carletto.
Outro ponto em comum, que é objeto da investigação, é Francisco Antônio Ramos de Lima Júnior, da FFGINFO Informática, que na época do contrato da JMK com o governo Beto Richa apresentou o sistema de gestão de frota e que, coincidentemente, figurou até pouco tempo como o responsável pelo site da empresa Carletto. As coincidências não param por ai. O mesmo Francisco Antônio Ramos de Lima Júnior, que se apresentava como funcionário da JMK, foi o representante da Carletto numa licitação no Distrito Federal.
Em junho deste ano, a prefeitura da cidade de Medianeira, no Oeste do Paraná, declarou a Carletto inidônea após apurar uma denúncia de irregularidade em um pregão eletrônico e a proibiu de contratar com o poder público pelo prazo de dois anos. A partir daí, segundo a investigação, existe a suspeita da entrada de um emaranhado de novos CNPJ`s — entre eles a BC Gestão de Frotas e Abastecimento, cuja sede fica em Itajaí, Santa Catarina, e a dona que figura no quadro societário seria uma psicóloga.
Mais uma coincidência: a sala comercial onde fica a sede da BC, em Itajaí, é vizinha a do escritório de advocacia de Flávio Henrique Lopes Cordeiro, advogado e procurador da empresa Carletto.
A BC Gestão de Frotas acabou arrematando uma licitação em 2022 realizada pelo Consórcio Intermunicipal de Urgência e Emergência do Noroeste do Paraná. E, novamente, Francisco Antônio Ramos de Lima Júnior apareceu para demonstrar o sistema informatizado — o mesmo Francisco Antônio Ramos de Lima Júnior que apresentou o sistema ao governo do Estado, em nome da JMK, e depois representando a Carletto num certame no Distrito Federal.
Processo no TRT — Uma ação trabalhista movida, no fim do mês de outubro de 2023, por um ex-funcionário da Carletto, reforça o suposto conluio ao sustentar que embora tenha sido contratado pela empresa Carletto Gestão de Serviços Ltda, na prática, ele exercia suas funções para outras empresas, entre elas a “BC Gestão de Serviços Ltda, nas suas dependências, vez que trabalhava numa sala e recebia ordens de todas as reclamadas para fazer cadastramentos, vez que participam de licitações, e angariação de clientes”, diz um trecho do processo obtido pelo Blog Politicamente que tramita no Tribunal Regional do Trabalho da 9a Região.
O que a polícia suspeita é de que estes novos CNPJ`s atuem da mesma forma que a JMK. As novas empresas atuariam como intermediadores entre o poder público e uma rede conveniada do ramo de manutenção automotiva. É justamente neste trabalho de intermediação, que a JMK obteve vantagem indevida de recursos públicos oferecendo vantajosos descontos para arrematar o contrato, mas, posteriormente, promovendo falsificando e adulteração de orçamentos de oficinas mecânicas, colocando peças de baixa qualidade, ao invés de originais, para aumentar o valor do serviço prestado. A Divisão Estadual de Combate à Corrupção apura se este modus operandi voltou a ser usado no Paraná para fraudar processos licitatórios.
Na cidade de Rio Branco do Sul, região metropolitana de Curitiba, existe indícios de que tal prática foi retomada. O Blog Politicamente teve acesso a documentos da prefeitura que detecta uma série de irregularidades supostamente cometidas pela empresa Carletto. O município cita serviços pagos, mas não realizados, superfaturamento e até furtos de baterias dos veículos. Ao todo, as empresas suspeitas de envolvimento direto com a JMK teriam firmados contratos com mais de 20 prefeituras do Paraná — que agora serão alvos de investigação da Divisão Estadual de Combate à Corrupção.
Outro lado — O Blog Politicamente tentou entrar em contato com as pessoas e empresas citada na reportagem. A Carletto, por meio de nota assinada pela advogada Jennifer Youssef, informou que “não teve acesso e sequer foi intimada sobre a possível investigação mencionada pelo blog, na qual se estaria apurando uma suposta ligação entre ela e a empresa JMK”. De todo modo, segue a nota, “independentemente da existência e teor da dita investigação, se esclarece que a empresa Carletto não possui qualquer relação com a empresa JMK. É o que já se reconheceu em decisões tomadas por órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União e o Estadual do Espírito Santo, ora encaminhadas ao blog”.
A Carletto se diz vítima de “uma série de denúncias inconsistentes e contraditórias, promovidas por uma determinada concorrente de mercado, todas arquitetadas propositalmente com o intuito exclusivo de causar impacto negativo perante a Administração Pública. A (verdadeira) intenção por trás desse modo de agir é o de monopolizar o segmento a partir do alijamento ilícito de sua adversária”, acusa a empresa — sem citar nomes.
A advogada da Carletto afirma ainda que “nenhuma prova da dita relação existente entre a empresa JMK e a empresa Carletto foi produzida pelos denunciantes – e nem será, precisamente porque não há relação. Se houver investigação, portanto, se estará partindo de ‘denúncia’ natimorta e, por isso mesmo, terá o arquivamento como destino inevitável”. Por fim, a empresa diz que “as decisões agora publicizadas, enfim, fulminam a vã tentativa de uma concorrente em ceifar a atividade promissora de uma empresa que atua de forma legítima em prol da Administração Pública”.
Com relação a decisão administrativa da prefeitura de Medianeira, que declarou a Carletto inidônea, a advogada Jennifer Youssef encaminhou ao Blog Politicamente a decisão da juíza Tatiana Hildebrandt de Almeida, proferida em agosto de 2023, em que suspende a decisão de impedimento de licitar e da declaração de idoneidade da empresa.