Mesmo tendo deixado há 16 anos o comando do Porto de Paranaguá, a gestão de Eduardo Requião como superintendente continua causando dor de cabeça e trabalho às autoridades policiais. No último dia 17, a Polícia Federal (PF) indiciou Eduardo Requião pelos crimes de associação criminosa, ocultação e lavagem transnacional de dinheiro. O indiciamento é resultado da investigação que teve como ápice a deflagração, em maio deste ano, da operação Serendipitia. O relatório dos federais foi encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF) que vai decidir se apresenta denúncia criminal contra Eduardo Requião. O processo tramita na 14ª Vara Federal de Curitiba.
Ele não é o único alvo — foram indiciadas ainda outras nove pessoas, entre elas Ana Helena Mothe da Silva Duarte, a esposa de Eduardo Requião, e os dois filhos do casal: Thiago e Thobias Duarte de Mello e Silva. O empresário Valmor Felipetto, dono da Harbor Operadora Portuária Ltda, empresa com grande atuação no Porto de Paranaguá, também aparece na lista de indiciamento. Os dois “protagonistas” desta transação internacional ilegal, que soma milhões de reais, são Eduardo Requião e Valmor Felipetto. Segundo a PF, a dupla montou um esquema criminoso, com o uso de contas de instituições bancárias internacionais, para receber dinheiro de propina fora do país.
Os familiares de Eduardo Requião foram implicados na prática criminosa por ter ajudado na lavagem de pouco mais de R$ 3 milhões e na ocultação de outros R$ 6,6 milhões. As contas da esposa e dos filhos do irmão do ex-governador Roberto Requião, que disputou a prefeitura de Curitiba na eleição de 2024, foram utilizadas para movimentar os recursos oriundos de propina, segundo a Polícia Federal, no relatório assinado pelo delegado Filipe Pace, da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros.
EDUARDO REQUIÃO DE MELLO E SILVA e VALMOR FELIPETTO, conforme exposto, ocultaram, de 2009 a 2017, a localização de valores provenientes de corrupção de contratos da APPA, haja vista que mantiveram os ativos ilícitos em conta em instituição financeira localizada na Áustria. O montante ocultado alcançou o total de EUR 1.090.405,55, equivalente, atualmente, a R$ 5.811.861,58.
PF “esbarrou” em Eduardo Requião ao investigar “Rei do Bitcoin”
O delegado narra com detalhes todo o processo apuratório e, principalmente, as informações obtidas através das quebras dos sigilos telemáticos e das contas de instituições bancárias dos Estados Unidos e da Áustria — através de uma cooperação internacional. É preciso, no entanto, entender como Eduardo Requião virou alvo dos federais. E foi por um acaso. A PF investigava Cláudio José de Oliveira, conhecido como “Rei do Bitcoin”, no âmbito da operação Daemon, quando se deparou com um repasse de R$ 530 mil feito por Valmor Felipetto. Instado a detalhar estes débitos, em depoimento, o empresário acabou citando uma dívida da ordem de R$ 3 milhões com Eduardo Requião. Inicialmente, Valmor Felipetto alegou que tratava-se um empréstimo. Agora a PF suspeita que o dinheiro era oriundo de propina de contratos do Porto de Paranaguá — atos de corrupção que já estão prescritos. Mas o de ocultação e lavagem de dinheiro não.
Com as quebras de sigilo, a PF recolheu indícios que reforçam a suspeita de prática “de possíveis crimes de corrupção e o envolvimento de novos personagens”. Ao percorrer o caminho do dinheiro, a PF se deparou com a suspeita da propina ter sido paga pela empresa holandesa que faria o serviço de dragagem do Porto de Paranaguá, na gestão de Eduardo Requião como superintendente da Appa.
“O recebimento das provas, mediante cooperação jurídica internacional, da Áustria, obtidas junto ao Raiffeisenverband Salzburg trouxe esclarecimentos, além de robustez probatória, a respeito da prática do crime de corrupção passiva por EDUARDO REQUIÃO DE MELLO E SILVA, em coautoria com VALMOR FELIPETTO, em contratos de dragagem do Porto de Paranaguá, celebrados entre a ADMINISTRAÇÃO DOS PORTOS DE PARANAGUÁ E ANTONINA – APPA e a empresa SOMAR – SERVIÇOS DE OPERAÇÕES MARÍTIMAS LTDA, atualmente VAN OORD SERVICOS DE OPERAÇÕES MARÍTIMAS LTDA – subsidiária brasileira da empresa holandesa VAN OORD DREDGING AND MARINE CONTRACTORS B.V”.
Após se debruçar nos documentos apreendidos na operação Serendipitia e nos documentos obtidos com a cooperação internacional, a PF remontou o quebra-cabeça concluindo que a empresa holandesa depositou dinheiro de propina para Eduardo Requião numa conta da Áustria de titularidade de Valmor Felipetto já depois de encerrada a gestão no Porto. O esquema de repasse só não foi exitoso porque o “Rei do Bitcoin” dilapidou este patrimônio erguido com dinheiro de propina ao se associar com o empresário. A partir daí, Valmor Felipetto se viu obrigado a prestar contas com Eduardo Requião.
A troca de mensagens obtidas pela PF, a partir da quebra de sigilo telemático, mostra um Eduardo Requião extremamente irritado com Valmor Felipetto pelo “sumiço” do dinheiro e a excessiva demora em reaver os recursos da propina. O empresário, por sua vez, admitia a dívida com o ex-superintendente do Porto e a ingenuidade de cair na lábia do “Rei do Bitcoin” que pulverizou o dinheiro da propina — atualizando para os tempos de hoje da máxima de “ladrão que rouba ladrão”… A PF estima que USD 1.210.000,00, equivalentes a R$ 5.961.065, seriam de Eduardo Requião.
O fato de VALMOR FELIPETTO ter afirmado que mantinha, em conta no exterior (Áustria) e não declarada ao Fisco no Brasil, recursos que, em verdade, pertenciam a EDUARDO REQUIÃO DE MELLO E SILVA, traziam, por si só, fundada suspeita de que os valores poderiam ter origem ilícita.
Depois de algumas ásperas mensagens e da oferta de um apartamento em Paranguá como forma de saldar a dívida, Valmor Felipetto começa a fazer depósitos para, enfim, “pagar” Eduardo Requião. E aqui começam a aparecer os familiares — em especial Thiago Duarte de Mello e Silva. Ele recebeu, segundo a PF, USD 102.330,00 (R$ 580 mil hoje), em 26/03/2018, de uma conta de um banco da Alemanha. O repasse foi feito por um casal que mora na cidade de Colombo, na região metropolitana de Curitiba. Ele, um cidadão alemão, titular da conta, e ela uma brasileira. O casal, além de outras duas pessoas, também foram indiciados pela PF pelo crime de evasão de divisa.
A PF suspeita que Eduardo Requião tenha recebido de Valmor Felipetto um apartamento no valor de R$ 1 milhão como forma de pagamento. “Na planilha, ainda, além de diversos registros de pagamentos em espécie, constava também referência a um apartamento, no valor de R$ 1.000.000,00, que teria sido também dado em pagamento para Eduardo Requião de Mello e Silva. Há referência as letras ‘SC’, o que poderia significar o Estado no qual se encontraria o imóvel”, diz um trecho do relatório.
Ao se debruçar nas quebras de sigilo bancário, a PF se deparou com movimentações suspeitas feitas pelo empresário Valmor Felipetto, como, por exemplo, a transferência de R$ 265 mil, no ano de 2019, para uma então assessora da presidência da Appa. Diante do achado, o delegado solicita ao juiz federal da 14ª Vara Federal de Curitiba que sejam compartilhadas as provas com o Ministério Público Estadual do Paraná para investigação.
Por fim, o delegado Filipe Pace requer ainda que a Justiça Federal determine que os bens sequestrados na operação Serendipitia, por ordem judicial, sejam avaliados para uma futura devolução dos recursos desviados e o pagamento de multa — na ordem de quase R$ 30 milhões.
Outro lado
O Blog Politicamente não conseguiu contato com Eduardo Requião e seus familiares para comentar o relatório de indiciamento da Polícia Federal. Já Valmor Felipetto foi procurado, mas ainda não retornou. O espaço segue aberto para manifestação.
Durante a investigação da PF, a empresa Van Oord explicou que, dado o lapso temporal, não mantém os dados sobre os responsáveis pelas ordens bancárias que resultaram nas três transferências de recursos das contas da empresa na Holanda diretamente para o empresário Valmor Felipetto numa conta bancária da da Áustria. Afirmaram ainda, que dois funcionários investigados pela PF não trabalham mais na empresa e que não foram encontrados documentos relevantes e contemporâneos que pudessem contribuir com a investigação da PF.