A Constituição Federal é clara ao determinar que toda e qualquer investigação criminal envolvendo um deputado federal deve ser previamente autorizada pelo Supremo Tribunal Federal. Por simetria constitucional, o foro para investigar e processar um deputado estadual é o Tribunal de Justiça do Paraná.
A regra parece basilar, cristalina e simples, mas durante a sessão desta segunda-feira (20) do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná o preceito constitucional veio à tona durante o julgamento de um habeas corpus preventivo impetrado pelo deputado estadual Ricardo Arruda (PL) que era investigado pelo Ministério Público do Paraná por suspeita de crime de injúria contra o também deputado Renato Freitas (PT).
O desembargador Miguel Kfouri Neto, relator do HC, destacou o preceito constitucional ao mencionar que toda e qualquer investigação envolvendo pessoas detentoras de foro privilegiado, como é o caso de deputados estaduais, só devem ser deflagradas a partir de uma autorização do Órgão Especial. E deu a entender que o MP paranaense anda numa linha tênue.
“O MP denomina de notícia de fato, na realidade é uma investigação, pede informações ao Poder Legislativo, enfim, da início a uma autêntica investigação. Esta notícia de fato ou procedimento de averiguação são eufemismos que ao meu sentir são uma investigação. Esta matéria ja foi apreciada por este colendo Órgão Especial no sentido de se exigir, em qualquer hipótese, autorização deste colendo Órgão Especial para deflagração desta investigação de pessoa, no caso deputado estadual, que detém este foro especial por prerrogativa de função”, disse Kfouri.
Logo depois da fala do desembargador, o procurador do MP, Armando Sobreiro Neto, que assumiu recentemente a sub-procuradoria geral de assuntos jurídicos, pediu a palavra e disse que antes mesmo da abertura de qualquer notícia de fato, envolvendo pessoas com prerrogativas de foro, vai noticiar o Órgão Especial do TJ paranaense. E, alegando a transparência do MP, adiantou que são menos de 25 os casos hoje em tramitação no MP que muito em breve serão repassados aos desembargadores do colegiado para a distribuição de relatoria.
Ou seja, supõe-se que o MP usava, em alguns casos envolvendo pessoas com prerrogativa de foro, terminologias distintas que, na opinião de Kfouri, tratava-se na verdade de uma investigação — o que abre brecha para pedidos de nulidade de não só o processo apuratório do MP como de qualquer ação judicial decorrente da mesmo.
O caso envolvendo Ricardo Arruda, usado como paradigma na sessão desta segunda, acabou arquivado por entendimento do próprio MP. Num documento obtido pelo Blog Politicamente, os promotores de Justiça Cláudio Franco Felix, coordenador do Núcleo Criminal, e João Carlos Negrão descrevem que “recorreu-se, reiteradas vezes, pela tentativa de oitiva do noticiante (suposta vítima), com vistas a elucidar os fatos e colmar algumas lacunas na descrição narrada na representação. Entretanto, quedou-se inerte em todas as tentativas”.
Por conta deste arquivamento, o HC impetrado pelo advogado Jeffrey Chiquini, acabou não sendo julgado por perda do objeto — já que se buscava o trancamento da investigação.
A Notícia de Fato contra Arruda foi instaurada a partir da representação feita pelo deputado Renato Freitas que descreveu uma suposta prática dos delitos de calúnia, difamação e injúria quando na sessão plenária da Assembleia Legislativa do dia 19 de abril de 2023 o parlamentar bolsonarista acusou o deputado petista de ser “invasor de igreja, usuário de drogas, de andar com assassinos vinculados ao PCC” e disse ainda que o parlamentar do PT “levava uma vida diferente, uma vida da escuridão, no mundo das trevas, no mundo das drogas, da bandidagem”.
O MP, no entanto, após análise sumária e preliminar, constatou, “a princípio”, imputações sob “uma única capitulação jurídica, qual seja, crime de injúria”. Mas após a tentativa de ouvir a vítima, no caso Renato Freitas, por quatro vezes, os promotores despacharam com a determinação para se arquivar o caso.
Independentemente do caso de Ricardo Arruda contra Renato Freitas, MP e TJ parecem que agora vão falar a mesma língua e evitar dissabores sobre investigações criminais envolvendo pessoas com foro privilegiado.