O Ministério Público do Paraná denunciou o deputado estadual Ricardo Arruda (PL) pelos crimes de concussão, quando um servidor público exige para si vantagem indevida em função do cargo que ocupa, e de lavagem de dinheiro. E foi além. Está com o desembargador do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná, Jorge Vargas, um pedido de afastamento de Arruda do mandato de deputado estadual.
O pedido de afastamento não consta na denúncia apresentada pelo MP, mas foi confirmado tanto por uma fonte do MP quanto do TJ paranaense de que está encartado nos autos. Não há prazo para que o desembargador decida tanto sobre o recebimento da denúncia criminal quanto pelo afastamento.
O ponto de partida desta investigação, que culminou no oferecimento da denúncia criminal e o afastamento, foram relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que identificou, entre os anos de 2014 e 2019, uma série de atividades financeiras atípicas envolvendo servidores comissionados e pessoas do círculo pessoal de Arruda, que geraram suspeita da prática de crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro, o que ensejou a comunicação ao MP.
Ao longo de 118 páginas, o MP narra uma nova modalidade de rachadinha, cujo objetivo central é desviar dinheiro público. A figura do assessor parlamentar ainda é essencial para o sucesso do esquema criminoso. Mas ao invés de saques e depósitos entre contas, que deixam rastros, o MP detectou também vertentes da “rachadinha” que convergem para a mesma prática nefasta na Assembleia Legislativa.
Uso de cartão de crédito de assessores — Uma delas era a habilitação de vias adicionais dos cartões de crédito de assessores em nome de Ricardo Arruda e também da esposa do parlamentar, Patrícia Arruda Nunes, que eram usados por eles e em benefício próprio, mas pagos, rateados, pelos funcionários lotados no gabinete parlamentar ou em comissões ligadas ao deputado bolsonarista. Através destes cartões, eram adquiridos bens e serviços que beneficiavam a família Arruda. Os gastos nos cartões somam quase R$ 250 mil.
Outra vertente utilizada, foi o pagamento de dívidas contraídas por Ricardo Arruda através dos cartões bancários. O MP chega a citar uma amortização de R$ 184 mil do financiamento habitacional do deputado. Tudo, segundo a denúncia, custeado pelos assessores. Assim como o pagamento de parte de uma caminhonete.
A tradicional rachadinha também foi detectada. Ou seja, através de quebras de sigilo bancário, o MP identificou saques fracionados em espécie que teriam sido entregues para um assessor específico que era encarregado de “centralizar o recolhimento do produto de concussão, para, ato contínuo, consumada a lavagem, quitar boletos e títulos de dívidas do denunciado (Ricardo Arruda), ou repassar-lhe via R2CP” — empresa que Arruda é sócio e utiliza a conta bancária para fins pessoais.
Pagamento para sogra de Arruda — A empresa foi beneficiada ainda, segundo o MP, por empréstimos consignados contraídos pelos assessores parlamentares e repassados à R2CP Participações Ltda. As despesas identificadas e custeadas pelos assessores beneficiavam também outros familiares de Arruda. Até pagamento de plano de saúde da sogra do deputado foi pago com o cartão de crédito de servidores ligados ao bolsonarista.
Todo o esquema de desvio de dinheiro foi esmerilhado por um ex-chefe de gabinete de Arruda numa delação premiada já homologada pelo Tribunal de Justiça. A denúncia é extensa e pormenoriza cada um dos gastos. O que chama a atenção é que gastos de toda espécie de Ricardo Arruda eram na verdade custeados pelos assessores parlamentares.
Gastos e mais gastos — Tem despesa com passagens aéreas nacionais e internacionais, gastos com hotéis e lojas de luxo em Las Vegas, na famosa estação de esqui em Aspen, aluguel de carro e despesas na China. Até impulsionamento em redes sociais eram feitos nos cartões de crédito de assessores. Só numa compra numa luxuosa loja de roupa masculina em São Paulo a conta foi de R$ 7,5 mil — feito no cartão de crédito de um dos seus assessores em cinco parcelas iguais de R$ 1,5 mil. Aquisição de suplementos alimentares também constam na fatura do cartão usado para benefício de Arruda.
Menu refinado — No dia 5 abril de 2016, por exemplo, há um pagamento de R$ 700 num luxuoso restaurante francês em Curitiba. Menos de 20 dias depois, o menu escolhido foi o de um restaurante argentino, no Batel. A conta saiu R$ 506,50. Nem o sorvete de R$ 15,50 no Cold Stone e uma corrida de R$ 7,00 do Uber escaparam do uso cartão do assessor. Aplicativo de música Spotify também foi pago com o cartão de assessores.
Em 31 de março de 2019, o MP descreve a compra de uma TV de 55 polegadas pagas com o cartão de um servidor da Alep, mas entregue na casa de Ricardo Arruda, num condomínio no bairro Botiatuvinha, em Curitiba. Até aluguel de imóvel em Nova Iorque, nos Estados Unidos, é descrito na denúncia através da utilização do cartão de crédito do assessor.
Quase 10 anos de esquema — A prática, que vem desde 2016, perdura até os dias de hoje — mais de oito anos depois. O MP detalha 112 fatos envolvendo suspeita de crime de rachadinha e lavagem de dinheiro. O último deles é de setembro de 2023, quando um funcionário do gabinete de Ricardo Arruda fez um depósito de R$ 5 mil em favor da empresa R2CP Participações — da qual o parlamentar é sócio e utilizada a conta bancária, segundo o MP, para fins estritamente pessoais. MP conseguiu até cópia do comprovante do depósito, feito numa lotérica de Curitiba.
É justamente por causa desta continuidade do cometimento dos crimes por parte de Ricardo Arruda, o que é descrito na denúncia como continuidade delitiva, é que o MP pede o afastamento do deputado. Ao todo o MP cita que Arruda praticou 62 vezes o crime de concussão e 50 vezes o de lavagem de dinheiro. As penas somadas podem chegar a mais de 20 anos de prisão — caso os crimes sejam confirmados pela Justiça.
Operação do Gaeco — Arruda chegou a ser alvo de uma operação do Gaeco em outubro de 2023 quando foram cumpridos seis mandados de busca e apreensão expedidos pelo Órgão Especial do TJ — que tem atribuição de investigar e processar autoridades com prerrogativa de foro. Policiais do Gaeco estiveram no gabinete de Arruda na Assembleia e na casa do parlamentar — além de endereços ligados a alguns assessores. A denúncia criminal, portanto, era uma questão de tempo. Ela foi protocolada no início de abril de 2024 e está em segredo de justiça.
Outro lado — O MP pediu ao desembargador Jorge Vargas para que notifique Ricardo Arruda para que, num prazo de 15 dias, se manifeste. Por nota, o advogado de Arruda, Jeffrey Chiquini, afirmou que ainda não foi intimado. “Sequer tínhamos conhecimento dela. Motivo que nos causou surpresa e estranheza o fato da imprensa conhecer da acusação antes de nós, o que apenas demonstra, confirma e reforça tratar-se de mais uma infundada perseguição ideológica realizada por ativista de esquerda infiltrado na honrada instituição do Ministério Público do Paraná”, diz um trecho da nota.
“Conhecemos apenas da existência de uma investigação, onde já elucidamos todos os questionamentos do presidente do procedimento investigativo. Entretanto, não nos causa estranheza que investigações instauradas pelo Ministério Público evoluam para uma denúncia. Até porque, é público e notório que investigações são instauradas apenas para buscas elementos para fortalecer convicção já existente. Investigações têm sido mero cumprimento de formalidades para processar quem já está na mira. A acusação no Brasil nunca esteve preocupada com as provas apresentadas pela defesa, o objetivo sempre foi e sempre será o processamento a qualquer custo”.
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