Diretor do IPEM na mira do MP por abuso de poder político

MP Eleitoral investiga caso inusitado em que, a pedido do diretor do IPEM, uma empresa terceirizada teria contratado 10 pessoas para trabalhar no instituto e também na campanha eleitoral da esposa na eleição municipal de 2024

O diretor-presidente do IPEM (Instituto de Pesos e Medidas) do Paraná, César Mello (PP), está na alça de mira do Ministério Público Eleitoral (MP). Ele é investigado por abuso de poder político por ter, supostamente, cedido 10 funcionários custeados pelo órgão estadual para atuarem na campanha eleitoral de 2024 da candidata a vereadora de Curitiba, Malu Mello — inclusive durante o horário de expediente. O sobrenome entrega o parentesco: Malu Mello é esposa do presidente do IPEM e obteve 753 votos ficando na suplência do Progressistas na Câmara Municipal. O Blog Politicamente teve acesso à investigação, que tramita na 174ª Justiça Eleitoral de Curitiba e é coordenada pelo promotor Carlos Alberto Choinski.

Foto: Divulgação IPEM/PR

Seria mais uma AIJE (Ação de Investigação Judicial Eleitoral), infelizmente tão comum que tramita na Justiça Eleitoral, se não fosse uma “inovação”: a contratação destes servidores do IPEM para, em tese, trabalhar na campanha eleitoral não foi feita pelo órgão do Estado e sim pela empresa Orbenk Administração e Serviços que detinha contrato, do ano de 2018, com o Governo. Estes funcionários, segundo o MP, seriam indicados pelo próprio César Mello — dentre eles, a mulher de um primo do próprio presidente.

Ou seja, neste caso, a empresa era um artifício para que César Mello nomeasse pessoas para trabalhar no IPEM, mas ao invés de cargo público, cargos terceirizados. A prática é narrada com detalhes por testemunhas ouvidas pelo promotor. Em um dos casos, um homem que trabalhava numa barraquinha de cachorro quente no bairro Santa Felicidade, em Curitiba, ganhou emprego na Orbenk após a indicação feita por César Mello. Ele virou motorista do diretor-presidente do IPEM. Quando questionado, em depoimento, como conseguiu a vaga de empresa, o homem afirmou que comentou com César Mello que estava desempregado durante uma parada do presidente do IPEM para fazer um lanche.

“Eu sempre recebi currículo, nunca foi feita a contratação chamando candidatos, postando vagas, como a gente faz com outros contratos, acontece isso com outros contratos também, não é só no IPEM que isso acontece, então fica muito mais fácil e prático contratar pela ORBENK quando são indicações”, disse uma funcionária da empresa ao MP.

A contratação descrita pela testemunha afronta diretamente a cláusula 2ª do contrato n.º 014/2018 que prevê que compete a empresa Orbenk recrutar, selecionar e avaliar por sua conta e risco, nos termos da legislação vigente, os profissionais qualificados, necessários à perfeita prestação dos serviços, cabendo-lhe efetuar todos os pagamentos (…).” O promotor chegou a requerer à Orbenk a relação de servidores contratados para trabalhar no IPEM e recebeu uma lista com quase 60 nomes.

“(…) vem a solicitação do presidente, tá, pra contratação, e a gente repassa pra empresa. (…) ou vem da assessoria da presidência ou do próprio presidente (…) vem com indicação da presidência, não existe nenhum critério. (…) o que deveria existir dentro do contrato, tá, dentro desse contrato é que a empresa ou o próprio IPEM fizesse um serviço de recrutamento e seleção, tá, mas é feito direto lá no gabinete”, afirmou uma servidora do IPEM.

“Pressão pelo contrato emergencial”

A situação era tão escancarada que César Mello diz em depoimento ao promotor que próximo do fim do contrato, a empresa o pressionou a assinar um emergencial. “A 30 dias antes de encerrar o contrato, a Orbenk estava me pressionando a fazer um contrato emergencial. E sem avisar ninguém, do nada, mandou aviso prévio para todo mundo”, cita, como se fosse uma retaliação, já que a decisão pelo emergencial dependia do aval de outra secretaria do governo. Por conta disso, o promotor chegou a expedir uma recomendação administrativa para a empresa comunicá-lo da dispensa/desligamento “de qualquer funcionário desta empresa que presta serviços junto ao Instituto de Pesos e Medidas do Paraná (IPEM/PR)”.

Se não bastasse a burla na contratação pela Orbenk, o MP suspeita que as pessoas indicadas tiveram de trabalhar na campanha eleitoral de Malu Mello. Há depoimentos citando que a contratação na Orbenk era condicionada ao trabalho na campanha. Há também, no entanto, quem dissesse ao promotor de Justiça que ajudou na campanha eleitoral da “1ª dama do IPEM” de forma voluntária, somente aos fins de semana e fora do horário de expediente — nestas condições não haveria qualquer irregularidade. Tanto é que das 10 “servidores” citados na investigação, nove aparecem como doadores de campanha de Malu Mello. O valor declarada por todos eles é de R$ 1 mil e, segundo contratos assinados na campanha, o montante diz respeito ao trabalho voluntário.

Prática difundida?

O caso investigado pode configurar assédio no âmbito de trabalho e lesão ao patrimônio público, motivos pelos quais, o MP encaminhou cópia da ação ao Ministério Público do Trabalho e à Promotoria de Justiça de Proteção ao Patrimônio de Curitiba que devem também apurar a situação no IPEM. Na esfera eleitoral, o MP requer a decretação da inelegibilidade tanto de César Mello quanto de Malu Mello por oito anos.

O diretor-presidente do IPEM, César Mello, já foi ouvido pelo MP Eleitoral. Em oitiva, ele nega qualquer irregularidade, diz que as pessoas contratadas pela Orbenk foram indicações de terceiros, que tinha ciência, mas não era ele quem decidia. Insinua ainda que seria vítima de uma armação política de um ex-funcionário que foi exonerado do cargo no IPEM.

Ainda no depoimento, chegou a dizer que um dos funcionários do IPEM contratados pela Orbenk foi indicado pelo assessor de um deputado — sem nomear o parlamentar. E foi além: “o pessoal do Planejamento tinha uma demanda, faz tempo que estava me pedindo e tal, pega o currículo aí e vamos indicar. Se for aprovada pela Orbenk ela começa a trabalhar”.

Ou seja, a prática pode ser corriqueira e não restrita a circunscrição do Instituto de Pesos e Medidas. Uma fonte do Blog Politicamente, que transita pelo Centro Cívico, diz que não será nenhuma surpresa se este know-how tenha sido difundido em outros contratos públicos — e não só no Poder Executivo.

Advogado nega irregularidades

Procurado pelo Blog Politicamente, o advogado Guilherme Gonçalves, que defende César Mello, afirmou que não há qualquer irregularidade no caso. “É importante esclarecer em primeiro lugar que a ação de investigação judicial eleitoral parte da premissa que as pessoas que trabalharam na campanha teriam feito em horário de expediente, isso não é verdadeiro, está provado nos autos, só trabalharam fora do horário de serviço, fizeram voluntariamente e está na prestação de contas”, pontua.

Com relação a contratação via Orbenk, o advogado esclarece que o presidente do IPEM não determinava a contratação das pessoas. “A Orbenk podia até receber indicações, pessoas que às vezes pedem algum tipo de indicação, mas a empresa jamais contratou alguém que não tivesse passado pelos critérios da empresa, então também essa afirmação não é correta e todas as pessoas contratadas trabalharam, prestaram suas funções independente de alguma relação que tenham tido ou possam ter tido com a questão política ou apoiaram na campanha. Portanto, seja sobre um ponto de vista ou outro, não há nenhum tipo de irregularidade eleitoral e/ou de outra natureza”.

A juíza eleitoral Carla Melissa Martins Tria abriu prazo para que César e Malu Mello apresentem defesa e procedam à juntada de documentos e indiquem rol de testemunhas.

Empresa

O Blog Politicamente também procurou a empresa Orbenk para comentar o caso. “Este assunto está sendo avaliado, com total atenção e responsabilidade, pelo nosso jurídico e diretoria. Estamos buscando as informações e, logo que possível, enviaremos uma resposta e comunicado oficial da empresa”.