Desembargador do PR diz que “mulheres estão loucas atrás dos homens” e OAB repudia

Por Karlos Kohlbach, Carol Nery e Regis Rieger

Está viralizando um trecho da sessão desta quarta-feira (3) da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), na qual o desembargador Luís César de Paula Espíndola afirma que “as mulheres estão loucas atrás dos homens”. A fala foi em resposta à desembargadora Ivanise Tratz, que se manifestou num processo, que corre em segredo de justiça, sobre o suposto assédio de um professor de uma cidade do interior do Paraná contra uma aluna de 12 anos. (Assista ao vídeo abaixo)

 

Fotos: Reprodução Youtube/TJPR

Em que pese a magistrada não faça parte do quórum daquele julgamento específico, ela pediu a palavra e fez uma defesa da vítima adolescente e das mulheres. “Não poderia deixar de manifestar numa situação em que uma menina de 12 anos, que está mais para criança do que adolescente, numa cidade do interior, numa escola pública, foge, se prende no banheiro, recorre à mãe, mostra que recebeu mensagens de whatsapp, diz que o professor passou a mão, deu piscadinha olha… E ainda por cima não dar credibilidade à palavra desta vítima, que é uma mulher e uma menina, né! Então, ela é sim uma vítima! A palavra dela tem que ser considerada e, principalmente, pela situação que foi descrita nos autos, que eu, como não julgo, não faço parte do julgamento, não tenho acesso aos autos… Mas, sabe, tudo o que eu ouvi aqui, realmente acho, e eu falo isso aos iminentes pares, nós julgamos situações com mulheres a todo tempo”, desabafou a magistrada.

“Nós precisamos ter essa percepção de como tratar uma mulher e como um homem precisa se portar. De como um homem precisa olhar, de como um homem precisa respeitar uma mulher. Seja ela menina, adolescente, mulher, seja quem for. Nós gostamos de ser respeitadas. Mas, realmente, me chamou muito atenção e, inclusive, fiquei chocada com as colocações. Ninguém quer crucificar o professor. Talvez seja um professor que tenha agido indevidamente e deva estar extremamente arrependido e que espero que não o faça mais mesmo, né! Mas essa medida de proteção que só o afasta da menina, não me parece que seja algo teratológico ou algo extremado, exagerado, tendo em vista, principalmente, que além de mulher e menina, nós temos também o Estatuto da Criança e do Adolescente que nos faz ter o dever de olhar pela ótica e pela proteção da criança e não do adulto, não é? Então, me desculpe fazer essas colocações, mas eu realmente fiquei assim [gagueja], ao ouvir eu me senti na necessidade de fazer essas colocações”, completou a desembargadora Ivanise Tratz.

“Discurso feminista desatualizado”, afirma desembargador

O desembargador Luís César de Paula Espíndola então, logo em seguida, comentou: “Eu não poderia deixar de responder o que Vossa Excelência falou, que não tem nada a ver com o processo. Um discurso feminista desatualizado. Porque se Vossa Excelência sair na rua hoje em dia, quem está assediando, quem está correndo atrás do homem são as mulheres. Porque não tem homem. Esse mercado é um mercado que está bem diferente. Hoje em dia, o que existe é essa realidade. As mulheres estão loucas atrás dos homens, porque são muito poucos. Esse é o mercado. É só sair à noite”, disse. “Nossa, a mulherada está louca atrás do homem. Sabe louca para levar um elogio, uma piscada, sabe uma cantada educada. Porque elas é que estão cantando. Elas que estão assediando. Porque não tem homem”, repetiu o desembargador.

“Hoje em dia os cachorrinhos estão sendo os companheiros das mulheres. Vai no parque e só tem mulher com um cachorrinho louca para encontrar um companheiro, para conversar, eventualmente para namorar. Uma pessoa, óbvio, ninguém gosta de ser maltratado. Isso é uma relação humana. Mas a paquera, é uma conduta que sempre existiu. É extremamente sadia. As pessoas só estão se relacionando no mundo virtual. No mundo presencial não existe isso”, comparou.

 

Foto: Reprodução Youtube/TJPR

 

“Agora a coisa chegou num ponto hoje em dia, entendeu, que as mulheres é que estão assediando. Não sei se Vossa Excelência sabe. Os professores de faculdade são assediados? É ou não é, doutora? Sabe, quando saem da faculdade deixam um monte de viúva. A gente cansa de ver isso. E sabe disso. Então tudo é muito pessoal. Esse é um discurso que eu acho que está superado. Sabe, as mulheres, ninguém está correndo atrás de mulher porque está sobrando. Sabe, desembargadora? É só andar por aí, no dia a dia. Entendeu?”, questionou Espíndola.

Por fim, o magistrado falou: “Desculpe, a conversa é meio mundana, meio vulgar. E não tem nada a ver com esse processo. O homem não é um monstro, um assediador. Ele foi um infeliz assim, talvez na sua maneira, mas não se constatou nenhum crime nem administrativo nem nada. E acho que até o princípio da proteção integral da criança deve ter uma prova de que ele foi violado, porque senão qualquer criança faz uma denúncia contra um professor. Eu tive um sobrinho lá que está num colégio muito bom, e disse que um professor de Educação Física dava um tapinha na cabeça dele. Homem com homem. Ele não é gay. Nem um e nem outro. Tapinha no começo da aula. Ele disse ‘eu não gosto disso’. Mas você já falou que não gosta disso? Não. Então, fale. Pronto!”, resumiu o magistrado.

Ao final do julgamento, conta uma fonte do TJ, os magistrados entenderam que como a adolescente se encontra em situação de risco, foi mantida a medida de afastamento e ordem de não-aproximação que já havia sido proferida. Durante o julgamento foi dito que o Conselho Tutelar informou que a adolescente está bem e não teve mais contato com o suspeito de abuso.

OAB considera a fala do desembargador como “odiosa”

Horas depois da fala, começaram a circular os primeiros burburinhos tanto dentro do próprio tribunal quanto entre advogados. Nesta quinta-feira (5), a OAB do Paraná se manifestou sobre à manifestação do desembargador. A OAB considerada a fala como “odiosa” e que “além de discriminatórias, expressam elevado grau de desconhecimento sobre o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, de cumprimento obrigatório pelos magistrados e tribunais. Revelam ainda profundo desrespeito para com as mais recorrentes vítimas de todo o tipo de assédio: as meninas e mulheres brasileiras”.

A OAB, na nota pública, traz dados sobre o número de ocorrências registradas de assédio sexual no Brasil em 2022 e cita que o Paraná, com base no Anuário de Segurança Pública do Paraná, foi o estado com mais notificações. ” O levantamento mostrou que 1.013 mulheres fizeram boletins de ocorrência pelo crime naquele ano de 2022. O número de casos de importunação sexual também é alto — foram 2.295 registros”, pontua a OAB.

Em que pese o cenário desolador, a OAB ressalta o esforço do Estado, no âmbito dos três poderes, e de toda a sociedade, inclusive da própria Ordem, para o enfrentamento desses indicadores e da eliminação do preconceito e da discriminação contra as mulheres. “A posição assumida pelo julgador merece repúdio, uma vez que atua na contramão de um esforço coletivo no enfrentamento das barreiras impostas às mulheres e, em especial, por partir de um servidor público com quem a sociedade deveria contar para acolher as vítimas e promover a justiça. Nunca o contrário”.

Assista abaixo ao vídeo com as declarações do desembargador

Chegou no CNJ “pelas vias informais”

Uma boa fonte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), disse ao Blog Politicamente que as declarações do desembargador Luís César de Paula Espíndola, do TJ do Paraná, já chegou até lá “pelas vias informais”.

Não é a primeira vez que os holofotes da imprensa se voltam para o desembargador Luís Cesar de Paula Espíndola. Ele já foi condenado pelo crime de lesão corporal contra a própria mãe e uma irmã. O caso aconteceu em 2014 e a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) foi formulada com base na Lei Maria da Penha. Em 2018, a mesma Corte condenou o magistrado a quatro meses e 20 dias de detenção em regime inicial aberto. Além disso, por se tratar de uma pena menor do que dois anos, os ministros aplicaram a suspensão prevista no Código Penal. Espíndola foi penalizado com a prestação de serviços à comunidade e proibição de aproximação de uma das vítimas.

A Corte Especial, em novembro de 2017, julgou uma outra denúncia contra o desembargador, pela suposta agressão a uma vizinha. Conforme o MPF, a mulher acusou Espíndola de jogar entulho em seu terreno. Ela também teria sofrido agressão por parte dele, durante uma discussão. Ele, no entanto, foi absolvido em 2021.

O Blog Politicamente entrou em contato com o gabinete desembargador Luís César de Paula Espíndola para que ele comentasse tanto a manifestação durante a sessão de ontem 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná quanto pelos processos na Justiça. Também entrou em contato com a presidência do tribunal paranaense. Até o momento, não houve o retorno. O espaço segue aberto para manifestações.

 

 

 

 

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