Já chegou à Casa Civil o relatório preliminar de auditoria feita pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TC) a partir da análise minuciosa do contrato de R$ 38 milhões firmado com a Fundação de Apoio à Pesquisa ao Ensino e à Cultura (Fapec) — com sede na cidade de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.
As descobertas dos técnicos são consideradas graves e existe um receio que novos pagamentos sejam feitos. O Blog Politicamente teve acesso ao documentos que detalha os “achados” da equipe técnica da 4ª Inspetoria de Controle Externo do TC.
O governo terá dois dias úteis “improrrogáveis” para que a Casa Civil apresente comentários e justificativas, “acompanhados da documentação comprobatória”. E salienta que novas eventuais falhas podem ser encontradas no decorrer do trabalho de auditoria.
Esta é a etapa que antecede a decisão da Corte de Contas de abrir um processo ou arquivar o trabalho de fiscalização do contrato milionário. Caso as suspeitas de irregularidades levantadas na auditoria não sejam sanadas, uma das hipóteses é a abertura de uma Tomada de Contas Extraordinária — que é um processo administrativo que tem como finalidade apurar as responsabilidades por danos à administração pública, ou seja, identificar os responsáveis, quantificar os prejuízos e, se possível, obter ressarcimento.
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TC pede informações e cópia do contrato de R$ 38 mi do governo com fundação de MS
De forma bastante resumida, os técnicos da 4ª Inspetoria apontaram, por hora, duas falhas no contrato com a Fapec. A primeira delas: “a elaboração do orçamento do contrato não adotou as técnicas apropriadas, sobretudo em se tratando de contratação direta”.
A outra foi no “planejamento da contratação com consequências na execução contratual ocasionando insegurança quanto à medição e aos pagamentos efetuados à contratada”. É justamente esta segunda falha que preocupa os técnicos “sobretudo, o risco de novos pagamentos decorrentes das próximas medições no contrato em análise”.
Antes de detalhar os dois achados, é pertinente lembrar o objeto do referido contrato: “prestação de serviços técnicos especializados de desenvolvimento e execução de projeto de ensino, pesquisa, gestão e governança como prática integrativa, a partir da criação no âmbito da Casa Civil do Governo do Estado do Paraná do ‘Centro Integrado de Gestão e Governança do Estado do Paraná (CIG-PR)’ cumulando com a implantação do ‘Escritório de Processos’ da Casa Civil do Estado do Paraná” — no valor de R$ 38 milhões através de uma contratação por inexigibilidade de licitação.
A forma de contratação é o primeiro apontamento dos técnicos.
“Não se visualizou o motivo pelo qual a inexigibilidade de licitação seria mais vantajosa ao interesse público que as demais soluções disponíveis: serviços poderiam ser prestados, total ou parcialmente, pela própria Administração ou via procedimento licitatório, ou ainda por meio de contratação direta por inexigibilidade, entre outros”.
Os técnicos pontual que a Casa Civil sustenta que o termo de referência adotou referências de preços praticados em contratos anteriores da Fapec com o Estado do Paraná. Todavia, destaca o TC, “ao se exigir as notas fiscais da FAPEC, a fundação de direito privado ventilou que não seria possível utilizar estas referências, uma vez que a solução oferecida à Casa Civil, apesar de englobar partes do pacote prestado à ParanáEducação e SEED/PR, não corresponderia integralmente a nenhuma delas”.
A instituição de Contas se refere a outros dois contratos que a fundação mantém com o governo do Paraná na área da educação, mas que não são objeto da auditoria.
“Causa estranheza que a Casa Civil, ao mesmo tempo em que fundamenta a escolha da FAPEC nas outras experiências com o governo paranaense, não usou as referências de preço analiticamente, ante a alegação da própria fundação de que os objetos não possuem correspondência”.
“Incongruências”
O relatório preliminar de auditoria destaca ainda incongruências quanto a à orçamentação da contratação direta uma vez que “a Casa Civil não logrou comprovar, nos autos do procedimento administrativo da contratação, a simples tentativa de obtenção de outras fontes de preços, por exemplo, por meio de consulta a outras fundações ligadas a universidades ou mesmo da própria FAPEC com outros Fazendas Públicas. Tudo no intuito de, ao menos, avaliar a ordem de grandeza do preço oferecido para este contrato”.
Em suma, o TC entende que a análise do processo de contratação direta da FAPEC pela Casa Civil “revela fragilidades significativas na etapa de orçamentação”. E conclui que fica comprometida “a demonstração de que o valor contratado, de R$ 38 milhões, é compatível com os praticados no mercado e atende ao princípio da economicidade, expondo a Administração a riscos de sobrepreço e malversação de recursos públicos”. E pior, os técnicos chegam a citar que o valor do contrato pode ter sido estabelecido unilateralmente pela Fapec.
O segundo apontamento dos técnicos é referente ao valor milionário do contrato e a previsão de destinação de 62% dos R$ 38 milhões para pagamentos de “Pessoal do Escritório de Processos e Projetos para o CIG/PR”, R$ 16.782.108,93, e outros R$ 7 milhões para “Obrigações Tributárias e Contributivas totais”. O relatório pontua que foi não houve qualquer questionamento por parte da Casa Civil com relação aos valores apresentados pela Fapec.
Ao estipular a formatação do custo do contrato, a fundação estipulou a utilização de 44 colaboradores trabalhando ao longo de 33 meses do contrato — chegando a um custo mensal de R$ 720,8 mil.
“Ao consultar cada um dos processos de pagamento pelos serviços já prestados pela consultoria no contrato, não foi possível verificar a quantidade de horas de trabalho ou mesmo o número de funcionários da FAPEC que efetivamente participaram da entrega de cada produto”.
Em outro trecho da auditoria, os técnicos concluem que “não há qualquer indicação das horas necessárias de trabalho e, principalmente, do valor correspondente a cada etapa de entrega do contrato”. Diante desta lacuna, a equipe de fiscalização do TC solicitou à Fapec a lista de colaboradores, a carga horário, as folhas ponto e os contratos de trabalho dos prestadores de serviço que atuaram em cada uma das entregas já realizadas do contrato.
“Em resposta, a FAPEC encaminhou a sua Lista de Colaboradores que atuaram em cada uma das etapas dos 8 (oito) relatórios de trabalho já entregues pela consultoria à Casa Civil do Estado do Paraná. Com relação a carga horária, a FAPEC resumiu-se a informar que os seus colaboradores celetistas atuam 40 horas semanais e que os seus prestadores de serviços e consultores atuam por demanda e entrega. As solicitações da 4ª ICE referentes às folhas de ponto e respectivos contratos de trabalho dos colaboradores da FAPEC foram ignoradas“, grifaram os técnicos.
Por fim, o relatório da auditoria aponta que não resta claro “a regularidade dos pagamentos efetuados tanto relacionados às remunerações dos ‘colaboradores celetistas’ quanto das remunerações dos ‘especialistas’ da FAPEC no referido contrato, sendo impossível, em sua formatação atual, a verificação da condição e da conformidade destes pagamentos”.
O TC ainda traz uma “curiosidade identificada” é que “cerca de 20% dos colaboradores da Fapec que atuam ou atuaram diretamente neste contrato são oriundos de cargos comissionados do Governo do Estado do Paraná”.
Apesar de constar no contrato a estimativa de 44 colaboradores trabalhando mensalmente no contrato, a equipe da auditoria concluiu que nos primeiros oito meses da execução deste contrato, a Fapec utilizou, na média, de 29,4 colaboradores celetistas por mês – cerca de apenas 67% do total estimado. “No opinativo desta equipe de fiscalização este fato pode ter gerado uma diferença de pagamento à Consultoria na ordem de R$ 1.478.207,69 a maior”
Fapec e Governo comentam auditoria do TC
Em nota, tanto a Casa Civil quanto a Fapec encaminharam manifestação ao Blog Politicamente sobre o relatório preliminar de auditoria feita pelo TC. A Fapec disse que “por se tratar de Parecer Preliminar, que ainda em procedimento de inspeção, responderá diretamente à Casa Civil do Estado do Paraná quaisquer diligência solicitadas”.
A Casa Civil do Governo do Paraná, por sua vez, informou que “recebeu o pedido de informações encaminhado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) e está realizando a devida análise técnica do conteúdo. Reforçamos que todas as solicitações de órgãos de controle são tratadas com seriedade e responsabilidade, como tem sido a conduta desta gestão. A resposta será enviada dentro dos prazos estabelecidos, com todos os esclarecimentos necessários”.