Um julgamento de um recurso na 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná chamou a atenção. Não pelo teor do caso — um homicídio em Ponta Grossa em 2021, fruto de uma disputa de entre facções criminosas –, mas sim pelo uso de inteligência artificial no recurso apresentado ao colegiado do tribunal paranaense.
A ação foi prontamente negada, sem antes, porém, o desembargador relator, Gamaliel Seme Scaff, comentar o caso — chegando a falar em (des) inteligência artificial. O Blog Politicamente teve acesso à sentença.
A petição feita em IA teria inventado trechos da decisão original, precedentes e até nomes de magistrados.
O magistrado pontua que o recurso criou 43 jurisprudências que não existem, além de inventar nomes de desembargadores do TJ do Paraná, citar a decisão de um magistrado numa data em que ele já estava aposentado e ainda confundir um julgador do TRF4 como sendo do tribunal paranaense — questões elementares para os operadores do Direito.
O recurso ainda trazia frases que supostamente estariam na decisão de pronúncia do acusado, mas que na verdade eram inventadas. “Ou seja, não se trata de um argumento genuíno, mas ‘criado’ para induzir o julgador em erro”, citou. Para o magistrado, seria preciso separar as alegações verdadeiras das falsas para fazer a análise do recurso, “o que se torna inviável diante de tamanha falta de técnica”.
O desembargador Gamaliel Seme Scaff ainda fez uma advertência ao advogado dativo responsável pelo recurso para se atentar ao Código de Ética e Disciplina da OAB.
“O Poder Judiciário não está brincando de julgar recursos”. Ao agir assim, o advogado não mostra a seriedade que o caso e o seu cliente exigem e merecem.”
E a “bronca”seguiu: “Como se sabe, apenas e unicamente o advogado tem capacidade postulatória. Ainda não chegamos ao ponto de conceder tal benefício a sistemas computacionais”, disse Scaff. “O advogado tem obrigação de, no mínimo, revisar as peças feitas com o uso dessas ferramentas.”
Advogado se manifesta
O Blog Politicamente conversou com o advogado R. E — autor da petição negada pelo TJ. O defensor admitiu que a jurisprudência foi feita via IA. “Foi criado, isso é inegável”.
O advogado pontuou, no entanto, que toda a argumentação do recurso foi feita por ele, sem o uso da tecnologia, e lamentou que os desembargadores focaram somente no uso da IA e não no mérito do caso — nas teses defensivas.
O defensor sustenta que o cliente estava portando um revólver calibre 38 cromado, de forma aparente, e que a vítima foi morta com 17 tiros de pistola 9 mm. E que havia outra pessoa no local do crime, portanto também, de forma aparente, uma arma 9 mm e que ela segue foragida e não foi identificada. E que o cliente admite o porte ilegal de arma de fogo, mas nega o homicídio.
Questionado sobre o andamento do caso, o advogado afirmou que não deve recorrer novamente ao TJ.