A confissão de uma candidata a vereadora na cidade de Apucarana, no Norte do Paraná, de fraude à cota de gênero é a espinha dorsal da decisão do juiz Rogério Tragibo de Campos, da 28ª Zona Eleitoral da cidade, que determinou a anulação de todos os votos obtidos pelo DC (Democracia Cristã) na eleição municipal de 2024 e a consequente recontagem dos quocientes eleitoral e partidário — o que vai mudar a composição da Câmara Municipal da capital nacional do boné.
A determinação do juiz eleitoral deve ter impacto direto no mandato de Adan Lenharo (DC), eleito com 1.965 votos — já que, se a sentença for mantida em instâncias superiores, o parlamentar vai perder o mandato. Indiretamente, quem deve se beneficiar é o PSD de Apucarana — leia-se o secretário de Saúde Beto Preto — que pode ganhar umas cadeiras no legislativo municipal. Apesar da extensão da decisão, o efeito dela não é imediato.
“De modo a evitar insegurança jurídica com interpretações diversas, destaco que as determinações acima estabelecidas somente serão realizadas após o trânsito em julgado ou determinação diversa do Tribunal competente”
No entanto, poucos acreditam numa reviravolta diante de uma confissão tão rica em detalhes e corroborada por outras testemunhas, embora algumas pessoas tenham declarado que a candidata realizou atos de campanha. A candidata é a professora de ensino fundamental Shirley Aparecida Pepato Oliviere (DC), de 66 anos, que espontaneamente reconheceu em juízo que ela “foi incluída como candidata não por sua vontade própria, mas por terceiros com a finalidade de preencher o percentual de 30% de candidaturas femininas, sem que efetivos atos de campanha eleitoral tenham sido por ela realizados”.
E pior, ela durante a oitiva acaba tragando o ex-prefeito de Apucarana “Junior da Femac” para a fraude. Junior da Femac é Sebastião Ferreira Martins Junior que não conseguiu eleger o seu sucessor, Rodrigo Recife (MDB), na prefeitura em 24 — sendo derrotado por Rodolfo Mota (União Brasil).
Em depoimento, Shirley cita que não foi ela que espontaneamente desejou ser candidata. “Ao contrário, sua candidatura foi efetuada sem o seu consentimento e que apenas topou após receber a informação de que seria para ajudar a filha a preservar o seu emprego”.
E o seu depoimento pessoal, que, diga-se, não apresenta versão isolada nos autos revela que não desejava ser candidata, que a sua candidatura foi engendrada pelo Prefeito da época (Junior), que pediu os seus documentos e disse que não precisaria se preocupar, e que apenas ficou sabendo posteriormente. Disse que foi vítima dos fatos, mas que nunca teve a intenção de ser candidata, que não realizou atos de campanha, que não pediu votos e que não desejava prejudicar ninguém.
Nivaldo Oliviere, marido de Shirley, afirmou ao juiz em depoimento que “foi ele quem autorizou a pedido da filha, que ligou dizendo que o Júnior (então Prefeito de Apucarana) estava precisando de uma mulher para colocar na chapa, pois uma das candidatas desistiu e que se não arrumassem outra candidata para colocar no lugar precisariam tirar 4 candidatos” — numa clara burla à cota de gênero.
“Mencionou que foi dito que o Júnior falou que era só passar os documentos e que não precisava fazer campanha, não precisa fazer nada, assim, autorizou e pediu para que a filha mandasse os documentos. Salientou que fez isso para preservar o emprego da filha na prefeitura e que não está envolvido no meio político e que entraram de gaiato”.
Shirley fez apenas 17 votos na disputa por uma das 11 cadeiras da Câmara de Vereadores de Apucarana. E, mesmo tendo confessado, o juiz eleitoral determinou que seja aplicada a sanção de inelegibilidade de Shirley Aparecida Pepato Oliviere pelo período de oito anos, a contar da eleições de 24, uma vez que ela “assinou os documentos para o registro de candidatura, além de fornecer fotografia para a produção dos santinhos e compareceu ao comitê de campanha para a retirada de material, o que revela, ao menos, a sua anuência nos atos fraudulentos”.
A AIJE (ação de investigação judicial eleitoral) ainda tinha como objetivo apurar uma suposta segunda candidatura fraudulenta, aponta que as candidatas não realizaram atos de campanha, não tiveram movimentação bancária e apenas receberam estimáveis em dinheiro consistentes em material impresso, mas o juiz Rogério Tragibo de Campos entendeu que não havia provas de irregularidades.
Os investigados argumentaram no processo que “não há comprovação da fraude à cota de gênero e que as candidatas investigadas, apesar dos poucos votos, efetivamente fizeram campanha e, inclusive, fizeram mais votos do que alguns candidatos do sexo masculino”.